Durante a última década, as novas tecnologias financeiras que surgiram tornam a construção de uma plataforma de pagamento pear-to-pear uma proposição simples e direta. Com isso, diante da disponibilidade e onipresença de dispositivos eletrônicos e redes de alta velocidade, além do recente catalisador tecnológico advindo do Covid-19, diversos bancos centrais e autoridades monetárias passaram a explorar a possibilidade de emissão da moeda soberana em suporte digital.
Vale ressaltar que uma moeda oficial desmaterializada é essencialmente diferente das moedas virtuais criadas por entidades privadas, como a mais popular Bitcoin, cujos preços de mercado flutuam de maneira acentuada nos últimos anos. Dessa forma, assim como o numerário em espécie, o capital circulante digital poderia ser fixado em termos nominais, universalmente acessível e válido como moeda com curso legal para toda e qualquer transição pública e privada.
No entanto, apenas uma moeda oficial digital aceita de forma irrestrita e unanime pelo público, teria a vitalidade e capacidade para desintermediar os mercados e substituir, a longo prazo, o dinheiro físico costumeiro.
Passo a passo nacional para a digitalização monetária
A tecnologia PIX que fará parte a partir de novembro de 2020 do sistema brasileiro de pagamentos instantâneos, foi desenvolvida pelo BCB para possibilitar transferências e pagamentos, em poucos segundos, entre pessoas, empresas e o governo, podendo serem realizados a qualquer hora do dia, nos finais de semana e feriados, de forma segura e prática.
Em julho desse ano (2020), em um vídeo gravado sobre a implementação do PIX, o presidente do Banco Central do Brasil disse claramente que o PIX é um passo importante do país para o desenvolvimento e adesão a uma moeda digital do próprio Banco Central, ou como é tratada nas discussões mundiais sobre o tema, Central Bank Digital Currency (CBDC).
Em um apontamento publicado ano passado pelo Presidente do BC, Roberto Campos Neto, para o projeto do Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas (LIFT), ele destaca temas como Blockchain, Cloud e Inteligência Artificial para a prática de ações mais eficazes para a evolução do sistema financeiro nacional.
Perspectiva Global
A necessidade de distribuir benefícios emergenciais do governo, em decorrência da pandemia, levou à tona o tema em diversos países. Um deles foi os Estados Unidos, pelo deputado nova-iorquino que representa um distrito no Queens, Ron Kim. Segundo o MIT Technology Review, no outono passado, Kim, Hockett e Julia Salazar, senadora estadual que representa grande parte do Brooklyn, revelaram uma proposta legislativa para o que chamaram oficialmente de Razão de Valor Inclusivo. A plataforma permitiria às pessoas economizar, gastar e emprestar uma nova moeda digital que funcionaria apenas em Nova York.
Enquanto isso, graças à epidemia, sabemos que esse dólar digital pode não estar tão longe. Isso ficou claro durante os preparativos para a aprovação da legislação de estímulo emergencial de US $ 2 trilhões do governo dos EUA, que o presidente Donald Trump assinou em 27 de março. Como tantos americanos já haviam perdido seus empregos, o projeto final autorizou o Internal Revenue Service a enviar pagamentos diretos em dinheiro a milhões de americanos para ajudar a cobrir as despesas normais de vida. Enquanto o Congresso debatia a melhor maneira de distribuir esse dinheiro, poderosos democratas na Câmara dos Representantes pressionavam pela criação do que chamam de “dólar digital”.
Além disso, testes já estão sendo realizados pelo Banco Central de Bahamas e da China, e a Suécia também já está bem avançada nesse processo. Enquanto, o Banco Central do Brasil está avançando com medidas necessárias como o PIX e o Open Banking.
Eficiência da função monetária
Em um trabalho para discussão elaborado em 2018 pelo BCB, é discutido que uma moeda nacional tokenizada operada por um sistema de pagamentos distribuído, a depender de seu design, permitiria ao emissor o acesso do histórico transacional, se necessário, em tempo real. O meio circulante digital (MCD), portanto, forneceria mais dados aos formuladores de políticas econômicas e monetárias, incluindo a capacidade de observar a resposta da economia aos choques ou às mudanças de políticas quase que imediatamente e com maior precisão. Isso mostra-se útil para o gerenciamento da estabilidade macroeconômica.
Tal solução de pagamento eliminaria o intermediário e permitiria a liquidação final diretamente entre o beneficiário e o pagador nas transações digitais, especificamente em nível de varejo e com o uso de moeda de Banco Central. Assim, eliminando o risco de contraparte e não sendo necessária qualquer garantia para a operação, sendo traduzido na liberação de quantias significativas de capital colateralizado. Tendo em vista que é difícil operações com uma boa garantia no mercado financeiro, esta abordagem propõe importantes benefícios macroeconômicos e de estabilidade financeira.
Dessa forma, com a nova metodologia de troca de baixíssimo custo, a moeda digital aumentaria a eficiência do sistema de pagamentos. Do ponto de vista social, o numerário digital seria ainda mais benéfico para as famílias de baixa renda, que comumente são as que mais utilizam papel-moeda, enquanto para as pequenas empresas, que incorrem em altas taxas transacionais, quando realizam/recebem pagamentos com cartões, fator decorrente do seu menor poder de barganha, uma vez comparada a uma empresa que demandaria mais operações; ou em altos custos para lidar com dinheiro físico.
Prova disso, foi uma pesquisa realizada em 2015 a pedido da bandeira de cartões MasterCard com 610 comerciantes de grandes centros econômicos e o resultado foi que 64% deles acreditam que transações em dinheiro geram custos mais altos. Alguns dos motivos mais citados foram:
- A necessidade de um empregado de confiança, cuja função principal seja lidar com o dinheiro recebido diariamente;
- O tempo perdido para transporte desse montante até o banco;
- A constante ameaça de roubo, que gera a necessidade em um quarto deles em aderir a contratação de seguro contra roubo.
Já pelo ponto de vista macroeconômico, os ganhos de produtividade decorrentes da adoção do MCD seriam semelhantes aos de uma redução substancial de impostos distorcivos. Vale ressaltar que para evitar esses crimes os bancos investem, anualmente, cerca de R$ 9 bilhões, superando a própria perda dos bancos para os ataques, sendo uma das causas que possuímos ‘spreads’ bem maiores, disse Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Pelo mesmo viés, a Diebold, multinacional fabricante de caixas eletrônicos, segundo seus cálculos, um caixa econômico no Brasil é em média 60% a 70% mais caro do que em outras partes do mundo, em decorrência da necessidade de dispositivos de segurança adicionais. Tudo isso leva ao custo anual do dinheiro brasileiro de aproximadamente R$ 90 bilhões, quando considerada sua emissão, custódia, distribuição de atacado/varejo e os custos das tratativas com o dinheiro no comércio, segundo o Bacen.
Modelo
O modelo discutido pelo Banco Central trata de uma moeda digital emitida por ele, onde seria de acesso amplo à população, baseado em tokens, com disponibilidade completa, duração indefinida e sujeito aos limites estabelecidos pelo próprio BC. Com mecanismo de transferência pear-to-pear, a moeda transitaria sem incidência de juros, com a privacidade de saldo e movimentações garantidas pelo sigilo bancário. Apesar de tais definições, a arquitetura que suporta o novo dinheiro digital é flexível o suficiente para admitir inúmeras configurações diferentes.
É preciso se ater que o SFN já opera com representações digitais de valores monetários. No entanto, o papel moeda continua sendo um dos principais meios de pagamento para operações no varejo do Brasil e seu ciclo de vida é bastante oneroso aos cofres públicos.
O token
O meio circulante digital seria formado por pequenos registros digitais assinados e validados por tokens, uma vez suficientes para representar a relação de propriedade entre uma pessoa física ou jurídica e uma valor arbitrário na moeda nacional circulando por caminhos análogos aos do papel-moeda.
O token pode ser utilizado como reserva de valor, enquanto estiver armazenado em alguma mídia eletrônica não volátil, ou como instrumento de troca, quando transferidos entre as partes por meio do seu sistema. Nele o proprietário do valor declarado é definido por uma identidade criptográfica.
Funcionamento
O numerário digital funcionaria como um grande sistema computacional distribuído, onde vários atores executariam diferentes papéis para garantir uma movimentação fluida, segura e tempestiva dos valores desmaterializados. A comunicação desses atores se daria por softwares, todos de acordo com as regras e protocolos definidos pela autoridade monetária.
O modelo acima descrito, foi retirado de um estudo do Banco Central e mostra os principais papéis do sistema MCD. As linhas entre os atores representam os canais de comunicação que podem ser estabelecidos durante a operação do sistema. Os papéis fundamentais do BC e a organização em camadas do sistema financeiro permanecem preservados.
Os usuários que não possuírem smartphones, poderiam utilizar a moeda digital por computadores, celulares compartilhados ou por serviços de carteira digital fornecidos por terceiros. Claro, em circunstância extrema, poderiam fazer uso de papel-moeda, uma vez que a implantação do numerário digital não determina a extinção imediata do dinheiro físico, apenas um passo em direção a implementação da tecnologia já existente que muito agregaria ao SFN. Portanto, sendo vital uma fase de transição até que a infraestrutura necessária para sua operação plena esteja inequivocamente atendida em toda a extensão do país.
Tainah Benevides
Institucional
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